A soprano Haolan Geng se apresenta com a Orquestra SinfĂ´nica do Shen Yun em 2014

Melodias do mundo interior

Neste outono, a majestade e a magia de uma civilização ancestral será relembrada em salas de concertos célebres nos Estados Unidos, Canadá, Japão e Taiwan. A Orquestra Sinfônica do Shen Yun, com sua fusão de instrumentos tradicionais chineses e uma orquestra ocidental plena, dará vida a 5.000 anos de civilização, reavivando a beleza, as lendas e a história de um mundo perdido.

A Orquestra Sinfônica irá percorrer 17 cidades de setembro a outubro, atuando em locais como Carnegie Hall, Kennedy Center e Tokyo Opera City. Seu novo programa inclui composições originais, inspiradas em melodias dinásticas, seleções do cânone ocidental e solos de alguns dos maiores e virtuosos chineses do mundo.

Entre eles está a soprano Haolan Geng, do Shen Yun. Já não é apenas uma estrela em ascensão, ela agora cativa anualmente audiências em todo o mundo. Nós nos sentamos com ela, em uma fresca manhã, no núcleo do Shen Yun Performing Arts, entre as colinas do município de Nova York, enquanto ela se preparava  seu retorno ao Carnegie Hall.

P: Como você iniciou o seu caminho como cantora?

HG: Eu amava cantar desde que eu era muito jovem. Quando escutava as pessoas cantarem no rádio, eu sabia que queria aprender também. Minha mãe costumava me levar para participar de muitos coros diferentes, dos da cidade até os provincianos. Mais tarde, eu escolhi ir a uma escola secundária de artes, assim eu poderia treinar profissionalmente, e, depois, para a faculdade onde eu me apresentava  para um conservatório de música até eu sair de lá. Um marco importante para mim foi ganhar o 2009 New Tang Dynasty International Vocal Competition, em Nova York, o que levou à minha adesão ao Shen Yun como solista.

P: Como se forma uma grande soprano?

HG: Você precisa de um método de canto correto, boa visão e poder para mexer com o público. E o mais importante: você precisa de um coração que ama a música. Use seu coração para cantar, e não seja superficial.

No palco, quando estou sentindo o significado da minha canção e entrando em seu estado de espírito, os sentimentos apenas transbordam de dentro de mim. Eu não planejo quaisquer movimentos ou expressões para esta ou aquela linha, tudo ecoa naturalmente.

Como artista, para alcançar um reino mais alto, acho que a moral desempenha um papel vital. Trata-se de levar uma vida de integridade. Se você anda com soberba fora do palco, você não será capaz de expressar qualquer sinceridade no palco. Quando os sons e os sentimentos que você expressa são puros, sua canção realmente será capaz de tocar seu ouvinte.

P: O que torna os cantores do Shen Yun únicos?

HG: Nós usamos o método de canto mais tradicional—é o mesmo que o de uma ópera italiana clássica apresentada antigamente. É diferente do Bel Canto que você ouve hoje, o qual  divergiu de sua forma mais antiga.

As sopranos do Shen Yun treinam a partir desse método clássico, o que significa que nós vocalizamos e articulamos a partir de uma posição vocal diferente. Claro, também é mais difícil de dominar porque nossas letras são em chinês.

Em todo o mundo, este tipo de técnica vocal está em declínio. Até cerca de cem anos atrás, a ópera italiana usou a técnica vocal original clássica. Mas, juntamente com as mudanças sociais que provocaram o declínio da cultura tradicional e das artes tradicionais, esta técnica genuína foi perdida. A técnica de canto que aprendi em meus primeiros anos num conservatório na China foi uma técnica contemporânea. Foi só depois de vir para o Shen Yun que eu percebi que minha colocação vocal anterior estava incorreta.

Nosso diretor artístico é um mestre desta técnica tradicional do bel canto que havia sido perdida anteriormente. Ele nos treina neste autêntico método de canto operístico e assim podemos trazê-lo de volta ao palco e compartilhar essa arte perdida com todos.

Olhando para trás no meu caminho como artista, eu me sinto extremamente feliz por ser capaz de fazer parte disto. Motiva-me a dar-lhe o meu melhor e apresentar esta arte perdida para o público. As pessoas costumam dizer que quando nos ouvem cantar, isso soa muito diferente do outro canto. Eles dizem que é diferente, mas também que é o correto.

P: Algumas pessoas dizem que cantar reflete a sua alma como um espelho. Isso soa verdadeiro para você?

HG: Eu acho que cantar é uma maneira muito direta de compartilhar seu mundo mais íntimo. Apresentando-me com o Shen Yun, eu experimentei isso muitas vezes.

Alguns anos atrás, quando eu estava estudando e, em seguida, mais tarde quando apenas estava começando minha carreira na China, eu estava principalmente focada em como melhorar tecnicamente e em como melhor expressar e interpretar a música, a fim de tocar as pessoas.

Mas integrar-me ao Shen Yun foi um ponto fundamental de mudança para mim como artista. Aqui com o Shen Yun praticamos uma disciplina de meditação espiritual chamada Falun Dafa, que também tem raízes antigas. Nós o chamamos de "autocultivo". E assim, aqui, eu medito e trabalho para me aprimorar no âmbito do caráter moral — é parte do que fazemos diariamente. Então você soma a essa excursão e a essas apresentações mais de  cem shows ao redor do mundo, ano após ano. Para mim, é uma experiência inestimável e algo que eu acho extremamente gratificante.

E este processo também me levou a refletir mais profundamente sobre a arte e o tipo de verdade que eu busco através da arte. O que eu percebi, talvez de forma inesperada, é que quando eu canto com uma mente tranquila e um coração tranqüilo é que os ouvintes ficam mais emocionados. Eu já não tento intencionalmente tocar de todas as formas o público emocionalmente. Sem forçar, essas coisas estão realmente acontecendo naturalmente, e de uma forma mais poderosa. Eu acho que, para mim, essa é a maior diferença, e isso aconteceu por causa do autocultivo.

P: Você conheceu esse conceito de cultivo quando se juntou ao Shen Yun?

HG:Na verdade, não. Isso ocorreu antes na China, quando eu era uma menina. Naquela época, meu avô e minha avó praticavam Falun Gong (outro nome para Falun Dafa). Minha avó, especialmente, costumava ter todos os tipos de problemas de saúde e dentro de apenas alguns meses praticando o Falun Gong sua saúde teve uma reviravolta. Ela se tornou vibrante e não precisava de nenhum dos milhões de medicamentos que ela estava tomando. Isto foi no início dos anos 90, e Falun Dafa estava se tornando cada vez mais popular na China — você podia ver muitas pessoas praticando em parques no início da manhã.

Em 1999, o Partido Comunista proibiu o Falun Gong e começou a perseguir pessoas que o praticavam — e foi muito difícil para mim entender por que o governo faria tal coisa.

E assim, as sementes do cultivo já tinham sido plantadas em mim em uma idade jovem, e eu tentei seguir os princípios da prática "verdade, benevolência e tolerância" e ser uma boa pessoa. Eu tinha continuado com a minha vida, me formei e comecei a trabalhar... Mas, anos mais tarde, quando me mudei para o exterior e encontrei-me num ambiente livre — sem o medo da perseguição que havia estado ao nosso redor — era fácil para mim procurar o que eu realmente queria.

Eu acho que, quando se trata de questões como o significado da vida, todo mundo tem uma opinião diferente a respeito. Talvez para algumas pessoas é se divertir, viver a vida ao máximo, ou deixar um legado. Para mim, e penso que muitos sistemas de crenças no passado também o viam desta forma, penso que nascer um ser humano já é uma coisa muito feliz, e ter a oportunidade de ter um guia espiritual e um modo de cultivo é ainda mais raro . Se você acredita na reencarnação, então é algo que talvez venha apenas uma vez a cada muitos milhares de anos. E assim, através do cultivo, quero elevar o meu caráter moral, melhorar minhas fraquezas e elevar-me a um reino mais alto e mais belo — para mim é isso tudo o que a vida é; isso é o que eu vim neste mundo para fazer.

Muitas das músicas que interpreto têm textos que falam sobre este princípio, o sentido da vida e o que estamos aqui para fazer. Se eu não fosse uma cultivadora, eu não teria maneira de expressar esses conceitos por trás das letras.

P: Então, como essa relação entre autocultivo e canto se manifesta em seu desempenho?

HG: Bem, é o que estava mencionando há pouco: eu costumava me concentrar em como eu queria cantar bem e tocar o público, e eu estava realmente pensando em um monte de coisas diferentes enquanto cantava. Depois de começar a cultivar e acalmar minha mente para cantar, notei que tenho cada vez menos pensamentos dispersos.

Em outro nível, acredito que o som e, especialmente, a voz, carrega uma certa energia. Eu acho que, como alguém que está cultivando e tentando aplicar os princípios "verdade, benevolência e tolerância", a energia que sai quando o canto vem do coração é diferente de antes. É mais gentil e mais capaz de se comunicar diretamente com o ouvinte.

P: As pessoas costumam comentar sobre sua voz, descrevendo-a como "poderosa" e "emocionante". Como você conseguiu?

HG: Você muitas vezes ouve as pessoas falarem sobre ter um dom natural, ou um "talento dado por Deus". Na verdade, temos uma expressão semelhante em chinês, chamamos um dom especial de "tian fen", ou seja, algo que os céus lhe dá.

P: O que passa pela sua mente enquanto você canta?

HG: Quando eu olho para as letras pela primeira vez, não me importo em memorizar as palavras. Eu começo captando a essência do que a canção está tentando passar. Naquele momento em que eu canto as linhas algumas vezes, eu posso começar a compreendê-la em um nível mais profundo. Então, eu continuo ensaiando para passar a sua mensagem o melhor que posso.

Quando eu estou treinando, se meu coração não está calmo, eu não posso cantar bem, não importa o que eu faça. Se estou frustrada, sinto que minha voz soa muito feia. A não ser que eu me componha, não posso fazer nenhum progresso.

Para as apresentações, eu tento relaxar antes de começar. Eu solto minhas preocupações, guardando minhas noções, lembrando a mim mesma para o que estou cantando, meu propósito. E limpo meus pensamentos de todo o resto. Então, quando eu subo lá, eu não penso muito.

P: Você tem alguma lembrança especial de performances anteriores com o Shen Yun?

HG: Há tantas! Às vezes, se o teatro é suficientemente iluminado, eu posso ver o público limpando as lágrimas quando estou no palco. Eu testemunhei isso muitas vezes. E cada vez é realmente emocionante ver isso acontecer bem diante de mim.

P: Em que você acha que a Orquestra Sinfônica Shen Yun se destaca?

HG: Um dos maiores recursos da Orquestra Sinfônica é como ela incorpora instrumentos chineses em uma orquestra sinfônica ocidental completa. Isso cria grandeza e um distinto caráter étnico. É uma combinação ideal para capturar o espírito da China tradicional. Além disso, eu sei que o público realmente aprecia os instrumentos chineses... especialmente o erhu, que eu adoro também.

Uma diferença especial, mas menos tangível, é o que você poderia chamar de substância espiritual. O que esta orquestra expressa ao público é único. Acho que a maioria do público é capaz de entender nossa música em um nível mais alto — eles podem  se identificar com a nossa mensagem.

Estas canções são sobre coisas como o sentido da vida, um caminho para o Céu, verdade, consciência e iluminação. Nós nos esforçamos para cantar e representá-las com um coração puro e, assim, seja para o público ou para nós músicos, elas realmente falam para o nosso mundo interior.